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terça-feira, 4 de maio de 2010

BLOGANDO SOBRE PAULO GAIGER I

INDIGNADO SIM... PORÉM, COM OS OLHOS DA BONDADE

Falar sobre qualquer texto de Paulo Gaiger pode ser um desafio para muitos, um presente para outros tantos, mas para mim... no mínimo é suspeito, porque tenho grande simpatia por toda a trajetória profissional deste formador de opinião que habita salas de aula, espaços desnudos, periféricos, palcos e páginas de jornais de nosso estado. Se um dia ele esquecer algo sobre sua própria vida, muita gente vai aconselhá-lo a me procurar. Não sei tudo, mas quase tudo. Se fosse adolescente, provavelmente teria um pôster dele no meu quarto. Paixão? Claro que não. Admiração, profunda, contundente e verdadeira. Mesmo com seus defeitos ( que não são poucos... a ironia e o sarcasmo são os mais aviltantes... fico incomodada quando falo sério e ele faz troça e desconsidera o que digo), ainda assim é pessoa de rara beleza e de bondade inigualável, não menos inteligente, não menos perspicaz, um adulto menino “aberto para a eterna novidade do mundo”. É alguém com quem tenho vergonha de conversar pela dificuldade de organizar, de maneira suscinta, a linguagem verbal, mas gosto muito de escutar. Na adolescência eu, como quase todas as meninas, tinha o hábito de escrever e, ingenuamente, achava que aquilo era a melhor obra do mundo. Quando fiz minha primeira graduação, meu professor Walnnei Hammes, pessoa extremamente generosa, após ler alguns textos que produzi, escreveu-me uma carta e disse o que eu diria hoje e sempre para Paulo Gaiger: “ Quando um texto cai nas minhas mãos ou ele abala as estruturas ou nada acontece: os teus estão no primeiro plano.” É... são OS OLHOS DE BONDADE de alguém que controi o seu melhor texto quando está tomado de profunda indignação e é esse poder de indignação que faz com ele reflita sobre a formação do ator e a necessidade de que se construam profissionais que estejam aptos para partilhar, trocar conhecimentos, gentilezas, bondades e generosidades.
É deveras ácido quando faz referência às “freiras do convento da esquina”, seu tom cortante desconsidera a ingenuidade dos muitos que se postaram nestas esquinas pelos mais diversos motivos, entre eles, a certeza de que o mundo pode, em pequenas doses de amor pela coletividade, ser modificado. Deus, com toda a certeza, não existe mesmo, mas talvez exista, ou existiram algumas noviças que se descobriram sem as delicadezas necessárias para o matrimônio e que tenham realmente sonhado em dedicar as suas existências para causas coletivas e acreditaram que aquele era o melhor caminho. Não se pode exigir das pessoas uma consciência que elas não conseguiram construir em determinado momento porque o que lhes foi oferecido em grandes e avassaladoras porções eram justamente fartas doses de ignorância. Se me envergonho do que fui? Claro... todos os dias, mas não me culpo, apenas choro baixinho, no meu quarto, sem incomodar ninguém, sem cobrar um leite que foi derramado em um passado que deve ficar exatamente onde está: no passado. Também não culpo meus pais nem pela opressão, nem pela agressividade: ofereceram o que podiam oferecer. Há tantas pessoas com preparo, discernimento e que cometem crimes que são acobertados com maior aleivosia. O que se espera de uma menina sem estudo, órfã de mãe e pai, vivendo de favor na casa dos parentes, sendo humilhada e aviltada dia após dia, com quatro irmãos menores para criar? Ela enxergou no meu pai a esperança de dividir o fardo. Casou aos aos 16 anos e, aos 26 já tinha seis filhos. Fizeram muito. Bem mais que qualquer governante. Governaram com mãos de ferro, relho, correias, joelhos em tampeiros, castigos como ficar virado para a parede, bofetadas e beliscões, nos intervalos muita oração, é claro. Não foi o adequado, mas foi o que eles entendiam como certo. Saldo? Nenhum ladrão, nenhum drogado, todos com curso superior e emprego fixo. Família de bancários, professores, engenheiros e funcionários públicos. Todos atordoados, é verdade: dois católico, três ateus, uma umbandista ou espírita... sei lá. Acho que até poderia ter sido pior...
O autor também crê na flexibilidade das pessoas, pois sabe que o radicalismo é o caminho dos muros e não das pontes e das alianças, portanto se o ator julga que tudo e todos devem mudar, menos ele, acaba enveredando por caminhos que levam à linguagem barata e panfletária dos textos pobres e maniqueístas.
Mostra-nos o educador e artista, como estamos acostumados com coisas que deveriam nos revoltar: a pobreza, a miséria, gente que faz das ruas, dos viadutos, suas moradas, as chacinas, a precariedade da saúde pública, a violação dos direitos infantis. A gente, cala, é omisso, é conivente. Não fomos preparados para gritar, temos medo de gritar sozinhos, ser um único grito no meio da multidão, somos egoístas. Quando nos deparamos com a triste figura em que nos transformamos, dá vergonha, dá tristeza. É terrível pensar que o tênis que a gente usa é fruto da exploração da mão de obra infantil, mas é preciso por a emoção de lado e começar aos poucos, mudar o que pode ser mudado, não causar grandes impactos, passar sem ser quase notado.
Concordo com Paulo Gaiger quando seu texto afirma que nossa inserção no mundo poderá ser medíocre, mas jamais neutra. Reporta-me a Gaudêncio Frigoto quando este afirma que o neutro é duplamente posicionado. Quando nos calamos nossa posição já foi tomada, ou seja, se alguém está sendo lesado e nada fazemos, optamos por estar do lado do opressor. Escrever, atuar, lecionar teatro, proporcionar pequenas maneiras que remetam à reflexão são atitudes possíveis, caso contrário não leríamos as indignações de Paulo Gaiger, não nos questionaríamos acerca do adestramento diário que sofremos, sendo bombardeados por todos os lados com a idéia plantada e regada no senso comum de que tudo isto é parte do sistema e então vamos legitimando nossa indignação domesticada, bestificada, não nos sentiríamos esbofeteados, chicoteados ao percebermos que somos tão... estúpidos.
O mundo de Walter Salles, de Camilo de Lélis, do padre Marcelo, da Xuxa, do Boal, do Antunes Filho, do Paulo Gaiger, de Fabiane Tejada e até o da Dagma , é o mesmo, apenas eles assinaram pactos diferentes. Em se tratando de educação, formação de atores, talvez olhares de bondade e de indignação sejam caminhos bem mais difíceis, mas muito mais honestos e dignos de serem trilhados. Da minha parte, não pretendo assinar o pacto da neutralidade, nem usar as mesmas armas do meu opressor. Quero sempre acreditar que a bondade é algo que se constrói, que a forma de resistir é fazer um trabalho bom e comprometido, sem reforçar os códigos de opressão. Sei que nem sempre vou acertar, sei que uma vida é pouco para o muito que se tem a fazer, sei também que quando se faz pelos outros quem mais ganha somos nós mesmos. Sei que a vida se torna mais leve quando aprendemos a dividir, acariciar, apaziguar, abraçar e, mesmo que nos vejam como tolos e ingênuos, o mais importante é trilhar o caminho que julgamos ser o mais acertado, no meu caso, lutar para que se formem atores capazes de olhar para o mundo com bondade.

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