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sexta-feira, 1 de agosto de 2008

coluna xxx - a super fêmea

VESTIBURRICE


Prezados vestiburrandos,

Sou solidária com vocês na luta para galgar mais um degrau na escala do saber. Confesso que fiquei toda atrapalhadinha quando li O CONTINENTE, da obra de Érico Veríssimo. Até desisti do vestibular para não fazer vestiburrada. Meu humilde cérebro feminino não consegue compreeder tantas coisas. Sei que o Érico Veríssimo vai sair furioso da sua tumba, mas preciso falar: como o tal do pai da Ana Terra , o velho Maneco Terra , pôde ser tão burro a ponto de mandar matar o Pedro Missioneiro por ele ter desonrado sua pobre e encalhada filha, a Ana Terra? Se o universo do povo gaúcho é construído nos alicerces do machismo, não teria sido mais fácil ele obrigar o malfeitor a reparar seu erro? Vejam bem... Aninha já estava passadinha, 25 anos, nada de marido, nem um triste espelho o pobre bicho tinha em casa. Andava ela pelo rancho a sentir calorões e a dar despesas. Foi então que ,afoguentada , resolve se refrescar no riacho. Na verdade , a vítima foi o pobre índio, o Pedro Missioneiro. Ana Terra quase ficou conhecida como “Aninha do Riacho” . A encalhada heroína gaúcha praticamente obrigou o pobre bugre a tomar uma atitude. Deu no que deu... sangue, morte, muita tragédia. Posteriormente, Aninha, lépida, fagueira e galopante ruma para Santa Fé, já trazendo consigo o herdeiro da tesoura e do crucifixo sem nariz. Pedro Terra, filho de Ana Terra e Pedro Missioneiro, é bonito como o pai e genioso como o avô. Ana Terra pagou caro pelo seu assanhamento. Carregou para o resto da vida o rosto e o corpo do bugre e a tirania do seu velho pai .
Pedrinho cresce, casa e tem dois rebentos: Juvenal e Bibiana. “A fruta não cai longe do pé.” Bibiana herda o gênio e o temperamento caliente da avó. A bandida consegue se casar com o sedutor e gostosíssimo Capitão Rodrigo Cambará ( e eu aqui... a deus dará... ). Assim nasce a dinastia dos terras e Cambarás, assim o fantástico Érico Veríssimo conta o início da história do Rio Grande do Sul. Fico me perguntando: será por isso que um dos capítulos leva o título de A Fonte? O que é uma fonte? Seria a fonte do pecado ou a fonte do prazer? Ou as duas?...

COLUNA XXX

DA EMBRIONÁRIA COLUNA X X X- A SUPER FÊMEA
MINHA OPINIÃO

Após assistir o último capítulo da novela Mulheres Apaixonadas (sou noveleira de carteirinha, de usar decalque, como diria O Analista de Bagé), fiquei estática, paralisada. Sou obrigada a viver entre pessoas que ,para se dizerem intelectualizadas, afirmam serem as novelas um antro de perdição, mas elas olham, caso contrário, como saberiam tanto sobre a perdição da telinha? Ainda têm o desplante de falar: “ casualmente a tv estava ligada, eu vi e fiquei apavorada “ , ou então : “ a empregada estava olhando... “ Ora... para que serve o controle remoto , mentes remotas ? Rebato... as novelas da teledramaturgia brasileira são um verdadeiro ataque ao falso moralismo que impera na sociedade. O Manuel Carlos é tudo de bom. O Manuel Carlos tinha o direito de se suicidar 5 minutos após o término da novela. O gênio das domésticas solitárias, ou das avulsas, abordou praticamente tudo em uma só novela, em tão curto espaço de tempo. No último capítulo, através do personagem Carlão , gritou para o Brasil inteiro: pais, coloquem limites nos seus filhos, para não infestar a sociedade de monstros.” Educai os meninos e não será necessário castigar os adultos “.
Com a morte do Fred e do Marcos, Manoel Carlos esbraveja: doutores das leis brasileiras, vai continuar a palhaçada do espancamento e do estupro dentro de casa e a mulher ter de calar ,a troco de cesta básica ?
O povo brasileiro teve excelentes temas para debate: maltrato ao idoso, câncer de mama, adoção, prostituição, namoro entre primos ( no lugar de coibir, por que não discutir como pode a medicina ajudar estes casais? ), homossexualismo (Cheguei a telefonar para o autor da novela e perguntar : se os namorados heteros se beijam tecnicamente na tv , quando os autores brasileiros vão perder o medo e dar vez , voz e beijo na telinha para os homossexuais ?( claro que eu não disse para o autor que sou medrosa a ponto de me esconder atrás de um pseudônimo, embora ao me ler qualquer pessoa reconheça minha linguagem , mas se quiserem provar que eu sou cavalo, me recuso a comer alfafa ) .
No último capítulo o autor presenteou-me com o tão sonhado beijo de homossexuais na tv. Quando ele me perguntou se eu estava satisfeita, disse que não, porque o casal que havia beijado era Romeu (interpretado pela Rafaela) e Julieta (interpretado pela Clara ) e eu queria o beijo da Clara e da Rafaela... “Quem sabe na próxima novela você continua me ajudando? “. Senti-me lisonjeada: foi a primeira vez que coloquei alguém que julgo importante em uma saia justa. É fácil cobrar estando do lado de fora, sem a pessoa saber das nossas fragilidades ). O beijo não era por mim não, porque gosto de homem, o beijo era em nome de todas as pessoas que são excluídas por este ou aquele motivo.
Mostrou luta de classes, mulheres mal atendidas que acabam fantasiando com taxistas, o celibato dos padres, alcoolismo, ciúmes doentio , mulheres maduras amando homens mais jovens, uma filha que se envergonha do pai, uma história de amor entre a professora e o aluno ( Será que todas essas “baixarias “são tão desconhecidas por nós , será que estão tão longe da nossa consciência mágica ? )
As beatas e todos os falsos moralistas que me perdoem, mas o Manoel Carlos é quase um Deus no céu das telenovelas, só pecou ferozmente naquela escola ( os professores todos bonitos, felizes... os alunos aplicados, lendo Fernando Pessoa... Ah... e aquela piscina ? Fala sério...

DAGMA BLOGANDO SOBRE PEDRO NAVA

SOBRE PEDRO NAVA



Falar de Pedro Nava, o escritor, parece algo fácil. "Eu sou um pobre homem do caminho novo das Minas Gerais".

Ao ler sua obra percebemos que o homem e o escritor se misturam, pelo menos é o que acontece em Baú de Ossos.

A estrutura da obra de Nava é fragmentada, uma colagem de conversas orais, memórias da infância, crônicas, cartas e recortes. É construída de restos e, por isso, apontada por Celina F. Garcia como ESCRITA FRANKSTEIN. Ganha vida em suas páginas.

Em seus escritos absorveu o lado mais atraente, o aristocrático. Seus personagens com características negativas são pouco citados. Na ilustre galeria dos Nava encontramos IRIFILA. Ninguém entendia como o marido, um homem elegante e agradável havia casado com uma mulher que, além de feia era dona de um gênio tão difícil: mulher que falava de corda em casa de enforcado e de regime em casa de gordo Quando os azares do casamento eram trazidos por elementos estranhos à família o jeito era suportar com resignação.

Na sua linguagem usa muitas palavras arcaicas, talvez por serem próprias do seu tempo , da sua vivência.

Quanto ao gênero podemos dizer que é uma grande mistura. Trata-se de memória, autobiografia, narrativa e romance.
Arriscamos dizer que Pedro Nava não deixa de ser Borgiano, pois , uma vez que mistura diversos gêneros em Baú de Ossos, às vezes pode se dar o direito de contar o que não existe , deixando-nos na dúvida , pois sendo ficcional o ponto de vista ë do autor.

Algo interessante na página 32 no livro Baú de Ossos é o ciclo da vida que se repete nas características dos descendentes.

Quanto à contextualização: na abertura, o poema de Bandeira já dá a idéia e entrega o que será o livro. PROFUNDAMENTE fala de mortos, de memórias, de coisas e pessoas que fazem parte de um passado distante, aquiescido.

No dia 29 de setembro de 1999 a revista VEJA publica matéria em que uma pesquisadora francesa , Monique Le Moing, revela aquilo que, segundo ela, Nava não teve coragem de assumir: sua homossexualidade. Na verdade a pesquisadora usa o termo CONFESSAR, o que faz uma diferença considerável.

Monique Le Moing apoiou-se, sobretudo, na evidencia literária trazida nas páginas finais de O CÍRIO PERFEITO, carregada de referencias ao tema . O livro termina justamente no ponto em que o personagem COMENDADOR faria uma revelação bombástica. O desenlace aconteceria no volume seguinte, CERA DAS ALMAS, que Nava não chegou a completar.

Acredito que revolver lembranças antigas é uma dolorida, demorada e eficiente terapia. Também sei que muitos aspectos da personalidade do ser humano se manifestam nas suas obras, porém questiono o desrespeito disfarçado de certos ensaios, reportagens e avaliações intelectuais.

O ABISMO NA GAVETA DE MANOEL SOARES DE MAGALHÃES

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ABISMO NA GAVETA




Falar sobre Lobo da Costa com precisão, rigor técnico, riqueza vocabular é bastante difícil. Francisco, o poeta, era um purista. A poesia brotava da sua alma como o capim comum brota nos campos.
Manoel Soares de Magalhães, valendo-se de uma linguagem biográfica, jornalística, aborda em sua obra a apreensão da dignidade do poeta.
“ Quem te esmagou, cabeça de poeta? Quem te cobriu de lodo, urna de sonhos?” , foram as palavras utilizadas pelo escritor riograndino, radicado em pelotas, Valter Sobreiro Jr. em seu livro EM NOME DE FRANCISCO. Esse questionamento é respondido por Manoel Soares de Magalhães de uma forma bastante clara: o alcoolismo e a incompreensão sobre a natureza de tal doença, aliás , o não saber que se tratava de uma doença, esmagaram um dos maiores gênios da poesia pelotense .
Tudo é relatado com muita simplicidade, sem rigor, sem grande densidade, mas oportuniza, não desqualificando a obra como literatura, diversas platéias a usufruirem do universo de sonhos que permeavam o mundo, à parte, de Lobo da Costa.
Os espaços físicos são descritos de forma bastante simples, permitindo que se forme imagens do cenário que acolheu o romance de Francisco e Raquel.
A criação ficcional da personagem Raquel, o não- compromisso com a verdade, é carregado de um lirismo exarcebado, próprio dos personagens e escritores românticos.
Raquel é a musa virgem e idealizada, que morre sem conhecer “a hora da estrela”, momento em que a mulher passa do casulo para a crisálida.
A personagem Antônia é, talvez, a mais rica de todos, pois a sua falta de lucidez permite-lhe o eterno contradizer-se sem perder a credibilidade. Ela brinca com os símbolos da nudez ( o mostrar-se) e a guirlanda, ( o santificar-se). Antônia reflete a lucidez dos loucos. É a mulher que sublima todos os desejos carnais na figura de Jesus Cristo. Despe-se e santifica-se a um só tempo.
Contar a vida de Lobo da Costa através do “ caderno de Raquel” é oportunizar às pessoas o conhecimento do perfil psicológico do poeta através da visão feminina.
Manoel Soares de Magalhães permite-se escrever com a persona poética feminina que habita o imaginário do homem.
Para quem aposta no realismo mágico, no fantástico, para quem adquiriu afinidade com “ Pequod” de Vitor Ramil e “ A Guerra no Bonfim” de Moacir Scliar, certamente achará o trabalho de Manoel Soares de Magalhães sem densidade, apenas um relato jornalístico muito bem feito ,que fala sobre Lobo da Costa aquilo que já foi dito.
O grande diferencial na obra de Manoel Soares de Magalhães é que ele não aborda a problemática do alcoolismo de Lobo da Costa com pieguice e dó. Em O ABISMO NA GAVETA, Lobo da Costa aparece como, além de poeta com grande sensibilidade, exímio versejador, um ser humano comum, com um problema atualmente comum, passível de tratamento, mas que na época não era considerado doença e, sim, irresponsabilidade, fraqueza de caráter.
O personagem Saturnino funciona como grande elemento de compreensão e aceitação das características de todos os que o rodeiam.
Outra figura interessante é a mãe: Judite Maria. O próprio nome de Maria trabalha para que a mesma julgue-se “a serva do senhor” , a sofredora. Judite Maria é uma mulher dominadora, mas que não chega a ser cruel, apenas descarrega toda a sua insatisfação matrimonial em sua filha Raquel, quando percebe que ela, a filha, poderá ter o mesmo destino da mãe.
Judite Maria também é vítima de toda a trama que é tecida ao longo dos séculos na grande teia na qual se encontra o papel feminino na sociedade. Como mãe, desempenha com destreza o papel de Rainha do Lar ( e quem disse que as rainhas são boazinhas? ).
Se formos justos com a matriarca não poderemos responsabilizá-la pelo infortúnio amoroso de Francisco e Raquel. O que realmente os separou não foi a mãe malvada, mas sim a falta de avanços científicos e tecnológicos que pudessem, em tempo hábil, perceber o alcoolismo como doença, bem como os meios de tratá-lo, aliado a falta de compreensão de uma sociedade movida pelas aparências (o que, aliás,não mudou muito- a luta de forças sempre existiu e quem não se enquadra no sistema, ou não se impõe é, obviamente, excluído).
É interessante observar as semelhanças, ou possíveis aproximações que podem ser estabelecidas entre o senhor Gouvêa e o poeta: um é dominado pela esposa e o outro é dominado pela bebida. Raquel parece ter uma tendência a amar homens dominados. O lastimável é que ela não sabe lidar com tal problemática.
Vamos atentar para a sutileza do autor ao escolher o nome da protagonista do romance: Raquel.
Reportemo-nos, pois ao soneto escrito pelo poeta Camões:


Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida.


A figura bíblica de Raquel evoca a história de alguém que, para merecer a felicidade, tem de passar por algumas provas, entre elas, a paciência de esperar com resignação, como , aliás, muitas figuras femininas da literatura gaúcha ( Ana Terra, Bibiana- personagens de O TEMPO E O VENTO de Érico Verissimo)
Na obra, a mulher, apesar de apresentar o perfil das musas do romantismo, sente desejos carnais e os contêm.
Alguns personagens masculinos valorizam a figura feminina bem mais como ser humano normal do que como ser idealizado. É o caso de Miguel que rompe com os preconceitos e amanceba-se com Iracema que, além de preta é pobre, contrariando todos os desmandos da mãe.
A obra em si apresenta certos aspectos de evolução do elemento feminino e também do elemento masculino.
Raquel luta até seu limite. Judite Maria admite a sua insatisfação sexual e afetiva.
Antônia encontra na loucura o seu melhor elemento: o poder de santificar-se com a própria nudez.
Saturnino é a mostragem da persona poética capaz de compreender a alma frágil de Raquel e a poesia como uma constante no comportamento de Francisco.
Paula Pires é o retrato do perfil exigido pela sociedade: sua poesia não tem grandes atrativos, não tem o talento natural de Lobo da Costa, mas está enquadrado no perfil comportamental que figura como pré –requisito de aceitação social.
O mais importante na obra de Manoel Soares de Magalhães é que ele consegue fazer com que um romance simples figure como literatura e ainda resgate a dignidade, a honra e a importância de Lobo da Costa como pessoa e, por isso sujeito às fraquezas, e naturalmente como o homem cuja poesia foi superior ao vício.

´QUANDO MORREM AS MACABÉAS

QUANDO MORREM AS MACABÉAS


Escrever sobre A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, é também, entre perspectivas comparatistas, abordar a sexualidade, o perceber-se mulher, fêmea, desejável, o descobrir-se amada, o desabrochar, o passar do casulo para a crisálida.
Macabéa é isso: o enrustimento, a negação do bicho-mulher, o enclausuramento, o celibato, o viver mesquinho, enfim... lambuzar-se de cachorro-quente engordurado, sonhar com grandes estrelas, um universo muito longínquo para quem se acha no dever de pedir desculpas por existir.
Reportando-se a diversas personagens femininas que permeiam o imaginário dos leitores e escritores constata-se que, uma vez descoberta a metamorfose, ou seja, quando o casulo dá lugar à borboleta, neste momento surge ou arde a mulher: é a morte, literal ou não, de todas as Macabéas.
Iniciemos pois no cenário teatral pelotense. O escritor riograndino, professor Valter Sobreiro Júnior, radicado na cidade de Pelotas, criou a “China Rosa “ e a “Andreza”.
A China Rosa, prostituta do período da Revolução Federalista de 1893, ao descobrir-se mais mulher do que amante, é surpreendida pela trágica e comovente “desmacabeização” nos braços de seu amor.
Cito Sobreiro:
“ Gabriel, meu bom amigo,
me tocaste o coração.
O corpo qualquer um toca,
mas o sentimento não. “
(Maragato- página 82, editora e gráfica da Universidade Federal de Pelotas)
Para Andreza, em DOM LEANDRO OU OS SENDEIROS DO SANGUE, ser mulher consistia em fazer-se mãe, uma vez que não era desejada pelo marido. Ao ter seu filho e este vir ao mundo sem vida, a personagem sentiu o gosto de ser mãe e mulher , bem como o amargor de perder tudo isto.
Cito Sobreiro:
“ANDREZA: Apartado de mim junto ao meu seio
neste inchaço de leite prematuro...”
(DOM LEANDRO OU OS SENDEIROS DO SANGUE- página 83-Educat-1999)
É a metamorfose dolorida do processo inverso : a mulher que volta a ser MACABÉA.
Em A MEGERA DOMADA, de Willian Shakespeare, temos a azeda e mal humorada Catarina, que nega sempre a sua sexualidade no difícil processo de sedução com Petruccio. Uma vez vencida, falece a MACABÉA e nasce uma Catarina amada, acariciada, vibrante, mulher que sai do casulo.
Viajando por GRANDE SERTÃO VEREDAS de Guimarães Rosa encontramos a MACABÉA Diadorim que não teve o seu desabrochar.
Cito Guimarães Rosa: “ De Maria Deadorina da Fé Bettancourt Marins- que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar , sem gozo de amar...” (GRANDE SERTÃO VEREDAS- PÁGINA 458)
Encontramos em “DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS “ uma flor incandescente , quando na companhia de Vadinho e uma flor Macabéa quando casada com o farmacêutico.
Já em IRACEMA, de José de Alencar, a virgem dos lábios de mel deixa de ser MACABÉA quando gera Moacir, o filho da dor. É o romper com sua tribo um passo para a metamorfose.
Também Chiquinha Gonzaga transpõe, traz o maxixe, o lundu, o florescer, o desabrochar.
Quem sabe falemos então na Rita, personagem do conto “A CARTOMANTE” de Machado de Assis. É o amor por Camilo, mais do que a suposta fúria passional de Vilela, que faz morrer a MACABÉA. A formosa e tonta Rita era apenas uma dama infeliz. Neste conto é a sibila, a pitonisa, que dá, por assim dizer, o grande empurrão para o desabrochar da Macabéa.
O viver “ralo”, “medíocre”, destas mulheres consiste no não imaginar que o bicho- mulher é a mulher-borboleta que sai do casulo e voa procurando polinizar a falta de limites do universo feminino.
A Hora da Estrela é, na verdade, a hora da constelação, da metamorfose, da transladação, é o momento em que a mulher olha no espelho e consegue, como escreveu Machado de Assis em seu conto O ESPELHO, estabelecer a diferença entre a sua alma externa (aquela que os outros enxergam) e a alma interna (aquela que realmente é) .
O que se conclui desta tentativa de achar um pouco de MACABÉA no imaginário das personagens estudadas é que não basta mudar o exterior: pintar as unhas, os cabelos, delinear as sombrancelhas. Para assassinar a MACABÉA é preciso mais: é preciso deixá-la viver. Não se mata o que não se vê. É preciso criar marcas:“MARCABÉAS.”
Há um momento em a Hora da Estrela em que sua colega de trabalho lhe rouba o seu homem e ela não reage , não enfurece, acha que a vida ,é assim. Vai em uma cartomante que lhe fala todas as verdades que são as verdades de quase todo o universo feminino , os nossos complexos de cinderelas , porque passa o tempo e a gente ainda quer um Olímpico de Jesus Moreira Chaves. eu me apaixonei pela MACABÉA, pelo seu viver tão fora da realidade, com o seu contentar-se com um radinho , com um docinho, com a sua tosse que embalava o sono das colegas de quarto.
Entendi facilmente que o narrador tinha um eu lírico feminino. Eu vivi o mundo de MACABÉA, de ter um chefe graúdo para o qual devemos responder com lisura, de ter colegas que são tão melhores do que a gente em muitas coisas, de ter várias Marias como colegas de serviço, todas razoáveis, incansáveis, competentes, batalhadoras, em série. Fiquei feliz porque o narrador tendo o eu lírico feminino, ofereceu a possibilidade de sonhar que MACABÉA morreu acreditando em tudo que a cartomante lhe prenunciara... É tão bom acreditar... mas acho que morri um pouco com MACABÉA.
“ Eu agi sempre pra dentro... eu nunca toquei na vida.” ( Fernando Pessoa)