Seguidores

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

BLOGANDO SOBRE O SUBMUNDO

A HISTÓRIA DE UMA PUTA




Na disciplina de Interpretação Teatral I do curso de Teatro-Licenciatura, da UFPEL, ministrada pelo professor Daniel Furtado, coube a mim e ao Lumilan levar ao palco um pequeno fragmento de Navalha na Carne, do autor Plínio Marcos. Eu nunca havia feito papel de prostituta e o Lumilan não sabia o que era exatamente um gigolô. Então expliquei pra ele a diferença entre um gigolô e uma cafetina. Para tanto recorri ao livro Dona Anja de Josué Guimarães( que não adiantou quase nada). Antes de exercitar a personagem na Calçada da Obino da cidade de Pelotas procurei dialogar com uma profissional do ramo que é cunhada da senhora que fazia faxina no meu apartamento. A senhora que fazia faxina no meu apartamento ( que é crente) é casada com um enfermeiro (viciado em crak, ele é conhecido nas bocas de fumo como Zé Pedreiro Enfermeiro). Essa senhora tem um filho da primeira união que foi meu aluno no ano 2000, ele é homossexual, soropositivo com doença em estado adiantado. XXX mora com eles, é uma mulher perturbada pelo passado, seus fantasmas a perseguem diariamente, tem 55 anos, desde os 50 não exerce a profissão. É depressiva, ansiosa, caminha de um lado para o outro, quase não consigo fazer as perguntas. Tenho de ganhar confiança.

Sua história começa em um estilo meio Nélson Rodrigues. Engravidou jovem, logo após este fato o cunhado de XXX desenvolve uma fixação por ela. Um dia chega em seu serviço e diz que veio buscá-la, pois a filhinha estava doente. Ela entra no carro e é levada para um lugar ermo, o cemitério da Boa Vista. Lá é surrada pelo cunhado e obrigada a submeter-se todas as taras do marido de sua irmã. Depois ele informa XXX que contará para a irmã e a mãe como ela “se oferecia para ele”. A mãe e a irmã a colocam para a rua e ela vai parar em um puteiro.

A primeira filha que XXX tem está muito bem encaminhada na vida, casou com um homem trabalhador e é uma “mulher direita”, sente vergonha da mãe e nunca vai visitá-la. A outra é prostituta, amancebada com um traficante ( e orgulha-se disso), viciada em crack, portadora de hiv e , após contrair o vírus, devido a vida desregrada que levava, teve seu último bebê retirado e adotado por outra família. Quem sustenta XXX e os dois netinhos é a filha mais nova, recém saída da adolescência. A menina trabalha em uma farmácia econômica, quer estudar, é linda, saudável, cheia de sonhos. Tem um “velho” que a ajuda. Todo final de mês traz um farto sortimento para a família, preocupa-se com a mãe e os dois sobrinhos “Seboso” e “Orelhudo”



Expliquei para XXX o meu objetivo: compor um personagem e perguntei a se achava que eu conseguiria. Ela disse que não, que eu não servia pra coisa, nesse ramo não se pode ser muito delicadinha e cheia de sentimentos. Até gostei do delicadinha... normalmente me enxergam como rude e tosca. Achei contraditório, pois já havia sido informada que ela sofria de depressão e tinha pânico de banho.

YYY, cafetona do extinto Puteiro da Três de Maio, falecida a pouco, havia ensinado para ela que a puta tinha que “barbarizar” com o cliente, mulher boa e descente eles tinham em casa e vinham ali atrás de outra coisa, muito diferente do que tinham em seus respectivos lares e que elas não eram boas nem descentes, não estavam ali para se apaixonar.

Contou-me coisas bizarras que, ao longo de meus 44 anos, estavam para mim no plano da Literatura, afinal, meus relacionamentos sempre foram com homens românticos, delicados... ou mentirosos... vai saber... a maioria teve a delicadeza de morrer antes de me decepcionar. Não vomitei porque não sou muito enjoada, mas confesso que algumas práticas escatológicas até então não eram alvo de minhas fantasias, talvez eu até mude, mas não por agora. Um dos clientes pedia que as moças tomassem purgante para “cagar” na boca dele, o outro só gozava se a moça “mijasse” em um copo. O mais engraçado dos clientes tive a oportunidade de conhecer. Ele mora, atualmente, na frente da casa de XXX. A tara dele era ir para o quarto com três ou quatro moças e UM ESPANADOR DE PÓ. Elas tinham de enfiar o cabo do espanador no ânus dele e ele recitava: “glu glu... eu sou o teu peru” e quem risse apanhava. A primeira vez XXX riu e disse que levou “ uma mão de pau”, uma surra, mas que não se arrepende, pois era uma cena muito engraçada. Outra figura peculiar era conhecido No PUTEIRO DA YYY como “Seu Quequinha, “ prefeito de uma cidade vizinha, por isso não devo citar o nome. Ele só trepava com moças de 18 anos, mas somente depois de elas haverem transado com três homens e tinham de chegar nele sem banho, para que as chupasse com os restos de porra dos outros machos ( por isso era conhecido como seu Quequinha... chupador de Queca).

XXX conta que “quanto mais rico, mais porco.” Diz que o puteiro era frequentado até por médicos e que “ tinham em casa lindas mulheres. Pobre quer apenas trepar mesmo, agora rico fica inventando moda”. A maioria não gosta de usar camisinha, não gostam de comer cu com vaselina, alguns querem que a mulher sinta ou simule dor.

Perguntei para XXX se ela já tinha amado um cliente. Ela disse que sim e que era igual ao Vado, personagem que seria o meu cafetão no trabalho proposto pelo professor Furtado. Contou que ele batia e tomava o dinheiro dela, mas que existe uma coisa chamada amor ( disse isso ironizando). O “Frida” era o seu cafetão, marginal, traficante, foi assassinado e XXX desde então não mais se envolveu emocionalmente com seus clientes.

Perguntei qual o segredo para se ter, aos 55 anos, homens que ainda a param na rua, no supermercado, na farmácia, querendo algo com ela ( e isso eu vi... ninguém me contou) . Respondeu que “eles gostam do cheiro de rabo”, que “mulher tem de deixar cheiro pra chamar”, que “não se pode ter nojo nem sentimento de apego”.

XXX mostrou-se alegre pela primeira vez quando aventei a possibilidade de ela assistir o nosso trabalho, era uma felicidade triste e singela, uma felicidade entre dentes mal cuidados, podres, amarelados, de gente que ri do próprio fadário e seguimos a prosa falando de outras coisas. Ela não foi na apresentação, estava em pânico, com medo de tomar banho. Mandou a cunhada ( que é crente) e a filha ( que sustenta a família). Apresentei-as para o professor Furtado. Elas se sentiram felizes com a minha atitude. Perguntaram se eu não me envergonhava de andar com elas. Disse que não, que respeitava muito a profissão de uma puta, disse que uma puta é uma profissional que é capaz de realizar muitas coisas: fantasias, alegrias e que muitas vezes elas até “salvavam” alguns casamentos e que eu tinha tido muita sorte em ter aprendido com elas. Alguns dias depois fui visitar XXX e levei um presente como forma de agradecimento. Ela prometeu que iria na próxima apresentação, pra ver se eu “tinha jeito pra ser puta”.

O professor Daniel fez uma avaliação justa. Coloquei ações muito interessantes na cena, mas em momentos inadequados, era muita informação para pouco tempo, mesmo assim foi um princípio que pode ser explorado com mais acuidade. Se bem que... eu achei fraco diante da gama de informações que colhi para fazer o trabalho de interpretaçãoII. A pesquisa foi bem mais forte para mim.

Nós aqui em Pelotas trabalhávamos instintivamente, intuitivamente, mas podemos melhorar com o embasamento que estamos recebendo, porém não dá para se contentar só com o que temos no curso, é preciso buscar mais.

Pretendo continuar explorando e investigando o submundo. Não chegamos a precisar dos elementos aprendidos no “um e noventa e nove”. Esse é o mais triste e sórdido tipo de prostituição, é nojento, revoltante. As putas ficam em uma posição de “ exame ginecológico”, mas com o corpo coberto da região do umbigo até a cabeça, o rosto não aparece, fica só a genitália aparecendo e do lado de fora do barraco se forma uma fila ( eles entram, metem e saem, usam camisinha se querem e se não querem não usam, pagam uma “merreca”, os trocados, acredito que devam usados para comprar droga).

Confesso que, para o rumo que pretendo dar para a minha vida ainda preciso aprender muito mais. Não adianta usar o submundo como trampolim para angariar uma boa nota. É preciso metas mais claras e objetivas. Não posso me contentar com o conhecer.

Hoje é domingo, Está chovendo e eu sinto uma puta , uma puta tristeza dentro de mim, uma tristeza de viver em um mundo onde as metáforas do limpo e do sujo se confundem e me sinto como a égua velha do livro A Revolução dos Bichos. Não ando enxergando bem... não consigo mais distinguir quem é o homem e quem é o porco. OS PORCOS SÃO PROTEGIDOS E ESTÃO TOMANDO O PODER.

domingo, 12 de dezembro de 2010

A CANTORA CARECA: A GRANDE METÁFORA DA CONDIÇÃO MISERÁVEL DO SER HUMANO
Não é absurdo uma cantora careca, Cantoras não precisam de tranças... precisam de voz... o absurdo é a voz que permite a purgação dos absurdos.




Se levarmos em consideração que uma das características do Teatro do Absurdo, estética que se constitui de elementos de um período diferenciado, permeado de situações no pós-guerra, onde há uma total falta de perspectivas, respostas e expectativas, onde o ser humano se percebe e toma consciência de sua condição humana de ser misérrimo, é compreensível a criação de uma arte onde o acontecimento de situações inusitadas, ilógicas, como acontece já nas primeiras páginas da obra A CANTORA CARECA de Èugene Ionesco, adquira um espaço.

Na primeira cena há uma conversa absurda entre o senhor e a senhora Smith. De todos os absurdos o que chama atenção é o fato de eles dizerem que comem bem devido ao sobrenome que têm. Ora, se pararmos para refletir, talvez não seja tão absurdo assim, pois, muitas vezes o sobrenome carrega o status financeiro do indivíduo.

Nesta realidade distorcida, as situações são apresentadas de forma inusitada, ilógica e irreal, mas, se forem analisadas de forma mais meticulosa e aprofundada pode-se perceber que possibilitam diversas e instigantes leituras que sugerem indagações que são latentes e pontuais no cotidiano das pessoas.

Nesta cena é representada a vivência de um casal fútil, que fala de coisas fúteis, possuem uma vida fútil, preocupações fúteis e, por que não dizer, relacionamentos fúteis.

Quando Ionesco aborda a família Bobby Watson, talvez queira chamar a atenção para a “mesmice” da instituição familiar, com seu modelo padronizado que parece estar invalidado para o determinado contexto no qual está inserido.

Dentro da linguagem do absurdo a personalidade dos filhos apresenta-se de forma repetitiva e de como eles são observados pelos pais, as parecenças, conforme seus vícios e virtudes.

A questão do relógio pode revelar uma desordem no tempo. Às vezes mais rápido, outras vezes mais demorado. Por um momento pesado, assustador. Afinal, o que é o tempo, senão a sensação de infinitude ou ligeireza dos acontecimentos e a correlação desta brevidade ou demora com o prazer ou desprazer do jogo existencial?

Na segunda cena podemos ter uma leitura de que a personagem Mary tem uma libido bastante “movimentada”, vai ao cinema com um homem e vê um filme com mulheres. Provavelmente a aguardente serviu para regar a companhia masculina e o leite a feminina, levando-se em consideração que estes símbolos, da maneira que são projetados, podem sugerir tal interpretação. Posteriormente, o fato de Mary comprar um penico também pode ser lido, interpretado como o que ela sente em relação aos patrões e, talvez, o que gostaria de dizer a eles, já que ela pode simbolizar uma classe oprimida.

A quarta cena talvez reflita acerca da grande metáfora da hipocrisia de casais que vivem juntos, mas que não se conhecem, ou que deixaram de se conhecer, ou que não mais se reconhecem. É como se fossem estranhos: tratam-se por “meu senhor”, “minha Senhora”. Elizabeth e Donald, com o passar do tempo, podem ter se distanciado e, de repente, o tempo passa ( a batida forte do relógio, citada na página 50 não serve somente para que os espectadores se sobressaltem, mas para que o casal “acorde” e tente resgatar o tempo perdido).

O discurso de Mary na quinta cena oferece a possibilidade para que tenha uma leitura sobre a postura dos pais depois da chegada dos filhos, ou seja, quando a família vai agregando novos membros ( os filhos ), os pais já não são mais os mesmos, a relação não é mais a mesma, o olhar em relação aos novos membros não é o mesmo. Cada um observa os filhos sob o próprio prisma. É inútil pensar que com a chegada de novos membros as coisas continuarão como estão. Donald não enxergará mais Elizabeth do mesmo jeito e Elizabeth não enxergará mais Donald da mesma forma. Eles se modificam e adquirem novas características, mas talvez não tenham feito alguns ajustes para que a situação homem e mulher, macho e fêmea não se tenha abalado. Como não sabem administrar tal situação acabam se distanciando.

Mary se autodenomina Sherlokholmes. Ao mesmo tempo que representa uma classe oprimida, é também uma espécie de consciência, de alguém ou alguma coisa que tende a fazer Elizabeth e Donald se olharem e descobrirem que não sabem quem são.

O relógio é uma constante nas cenas, ou seja, não importa o tempo que passou, o que aconteceu, o que não aconteceu, o que poderia ter acontecido e o que poderia não ter acontecido, eles sempre podem recomeçar, tudo parece cíclico, circular.

Ionesco, através da cena sete, ironiza as regras de etiqueta, a elegância, os bons modos e todas as manifestações de apreço que são rendidos a quem talvez não esteja nem interessado na alheia existência. O senhor e a senhora Smith entram com a mesma roupa e alegam para os Martim que os esperavam com ansiedade, pois até colocaram roupas de gala.

Ainda na mesma cena, versa sobre os conceitos que são abrangentes e flexíveis e que nem tudo o que parece é, ou seja, “nem sempre quando toca a campainha significa que há alguém para entrar na nossa casa” e que às vezes há alguém querendo entrar na nossa casa, na nossa vida e que, apesar da campainha, não ouvimos estas pessoas.

Observa-se também que a vida é cheia de surpresas: “ a experiência nos ensina que quando a gente ouve a campainha tocar é porque não tem ninguém”. Há que se tomar cuidado com a campainha de nossa casa, porque ela pode tocar e ser nada mais, nada menos do que NINGUÉM e podemos correr o risco de permitir que NINGUÉM entre no nosso lar, farte-se da nossa comida, do nosso vinho, da nossa alma, banhe-se da nossa água, cubra-se com nosso manto e acabe se revelando como NINGUÉM.

O Teatro do Absurdo é uma possibilidade de dizer as verdades de forma distorcida chamando a atenção para o que realmente está deformado. É preciso que crie bolinhas no nosso blusão mais bonito para que a gente perceba que a linha não era de boa qualidade. Ionesco era bom nisso...



“É quase impossível suprimir em uma lauda o tanto de não- absurdo que o absurdo pode comportar e a cantora careca todos os dias vai mudando o seu penteado toda feliz e faceira porque carecas cabeludos jamais pegam piolhos.”