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sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O ABISMO NA GAVETA DE MANOEL SOARES DE MAGALHÃES

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ABISMO NA GAVETA




Falar sobre Lobo da Costa com precisão, rigor técnico, riqueza vocabular é bastante difícil. Francisco, o poeta, era um purista. A poesia brotava da sua alma como o capim comum brota nos campos.
Manoel Soares de Magalhães, valendo-se de uma linguagem biográfica, jornalística, aborda em sua obra a apreensão da dignidade do poeta.
“ Quem te esmagou, cabeça de poeta? Quem te cobriu de lodo, urna de sonhos?” , foram as palavras utilizadas pelo escritor riograndino, radicado em pelotas, Valter Sobreiro Jr. em seu livro EM NOME DE FRANCISCO. Esse questionamento é respondido por Manoel Soares de Magalhães de uma forma bastante clara: o alcoolismo e a incompreensão sobre a natureza de tal doença, aliás , o não saber que se tratava de uma doença, esmagaram um dos maiores gênios da poesia pelotense .
Tudo é relatado com muita simplicidade, sem rigor, sem grande densidade, mas oportuniza, não desqualificando a obra como literatura, diversas platéias a usufruirem do universo de sonhos que permeavam o mundo, à parte, de Lobo da Costa.
Os espaços físicos são descritos de forma bastante simples, permitindo que se forme imagens do cenário que acolheu o romance de Francisco e Raquel.
A criação ficcional da personagem Raquel, o não- compromisso com a verdade, é carregado de um lirismo exarcebado, próprio dos personagens e escritores românticos.
Raquel é a musa virgem e idealizada, que morre sem conhecer “a hora da estrela”, momento em que a mulher passa do casulo para a crisálida.
A personagem Antônia é, talvez, a mais rica de todos, pois a sua falta de lucidez permite-lhe o eterno contradizer-se sem perder a credibilidade. Ela brinca com os símbolos da nudez ( o mostrar-se) e a guirlanda, ( o santificar-se). Antônia reflete a lucidez dos loucos. É a mulher que sublima todos os desejos carnais na figura de Jesus Cristo. Despe-se e santifica-se a um só tempo.
Contar a vida de Lobo da Costa através do “ caderno de Raquel” é oportunizar às pessoas o conhecimento do perfil psicológico do poeta através da visão feminina.
Manoel Soares de Magalhães permite-se escrever com a persona poética feminina que habita o imaginário do homem.
Para quem aposta no realismo mágico, no fantástico, para quem adquiriu afinidade com “ Pequod” de Vitor Ramil e “ A Guerra no Bonfim” de Moacir Scliar, certamente achará o trabalho de Manoel Soares de Magalhães sem densidade, apenas um relato jornalístico muito bem feito ,que fala sobre Lobo da Costa aquilo que já foi dito.
O grande diferencial na obra de Manoel Soares de Magalhães é que ele não aborda a problemática do alcoolismo de Lobo da Costa com pieguice e dó. Em O ABISMO NA GAVETA, Lobo da Costa aparece como, além de poeta com grande sensibilidade, exímio versejador, um ser humano comum, com um problema atualmente comum, passível de tratamento, mas que na época não era considerado doença e, sim, irresponsabilidade, fraqueza de caráter.
O personagem Saturnino funciona como grande elemento de compreensão e aceitação das características de todos os que o rodeiam.
Outra figura interessante é a mãe: Judite Maria. O próprio nome de Maria trabalha para que a mesma julgue-se “a serva do senhor” , a sofredora. Judite Maria é uma mulher dominadora, mas que não chega a ser cruel, apenas descarrega toda a sua insatisfação matrimonial em sua filha Raquel, quando percebe que ela, a filha, poderá ter o mesmo destino da mãe.
Judite Maria também é vítima de toda a trama que é tecida ao longo dos séculos na grande teia na qual se encontra o papel feminino na sociedade. Como mãe, desempenha com destreza o papel de Rainha do Lar ( e quem disse que as rainhas são boazinhas? ).
Se formos justos com a matriarca não poderemos responsabilizá-la pelo infortúnio amoroso de Francisco e Raquel. O que realmente os separou não foi a mãe malvada, mas sim a falta de avanços científicos e tecnológicos que pudessem, em tempo hábil, perceber o alcoolismo como doença, bem como os meios de tratá-lo, aliado a falta de compreensão de uma sociedade movida pelas aparências (o que, aliás,não mudou muito- a luta de forças sempre existiu e quem não se enquadra no sistema, ou não se impõe é, obviamente, excluído).
É interessante observar as semelhanças, ou possíveis aproximações que podem ser estabelecidas entre o senhor Gouvêa e o poeta: um é dominado pela esposa e o outro é dominado pela bebida. Raquel parece ter uma tendência a amar homens dominados. O lastimável é que ela não sabe lidar com tal problemática.
Vamos atentar para a sutileza do autor ao escolher o nome da protagonista do romance: Raquel.
Reportemo-nos, pois ao soneto escrito pelo poeta Camões:


Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida.


A figura bíblica de Raquel evoca a história de alguém que, para merecer a felicidade, tem de passar por algumas provas, entre elas, a paciência de esperar com resignação, como , aliás, muitas figuras femininas da literatura gaúcha ( Ana Terra, Bibiana- personagens de O TEMPO E O VENTO de Érico Verissimo)
Na obra, a mulher, apesar de apresentar o perfil das musas do romantismo, sente desejos carnais e os contêm.
Alguns personagens masculinos valorizam a figura feminina bem mais como ser humano normal do que como ser idealizado. É o caso de Miguel que rompe com os preconceitos e amanceba-se com Iracema que, além de preta é pobre, contrariando todos os desmandos da mãe.
A obra em si apresenta certos aspectos de evolução do elemento feminino e também do elemento masculino.
Raquel luta até seu limite. Judite Maria admite a sua insatisfação sexual e afetiva.
Antônia encontra na loucura o seu melhor elemento: o poder de santificar-se com a própria nudez.
Saturnino é a mostragem da persona poética capaz de compreender a alma frágil de Raquel e a poesia como uma constante no comportamento de Francisco.
Paula Pires é o retrato do perfil exigido pela sociedade: sua poesia não tem grandes atrativos, não tem o talento natural de Lobo da Costa, mas está enquadrado no perfil comportamental que figura como pré –requisito de aceitação social.
O mais importante na obra de Manoel Soares de Magalhães é que ele consegue fazer com que um romance simples figure como literatura e ainda resgate a dignidade, a honra e a importância de Lobo da Costa como pessoa e, por isso sujeito às fraquezas, e naturalmente como o homem cuja poesia foi superior ao vício.

Um comentário:

Indiana Vitola disse...

Oi...!!! Também tenho um blog.....

:D

beeijos