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quinta-feira, 17 de abril de 2014

ENDOSSAMENTO DA BUNDALIZAÇÃO

Agora com apenas R$1, 49 a grande maioria das feiosas, gorduchas e sonhadoras podem, pelo menos, conhecer a vida maravilhosa e glamorosa das mulheres das capas de revistas e o que essas mulheres fazem para ficarem turbinadas e gostosas, mas é necessário salientar que beleza implica demandas como acessórios chiques a partir de R$ 5,90. Depois de ficarem gostosas poderão ler a sessão que conta as 8 posições que os homens mais gostam na cama, afinal o macho predador da espécie humana evoluiu, ele não quer somente a beleza vendida na capa da revista, é preciso mais, é preciso conteúdo, inteligência, uma inteligência sexual, é claro, fartas doses de criatividade, não basta “papai-mamãe”, “69”, “y duplo”, “canguru perneta”, “sexo anal, oral. vaginal e transversal”, “cachorrinha”, “cavalinho”, “escorregador”, “tobogã” ... é preciso mais, é preciso “chicote, algema e cinta-liga”, a mulher moderna tem de ser carinhosa, violenta e independente, preparada física e emocionalmente, afinal vivemos em uma sociedade em que os valores preservados são beleza, saúde e juventude. E, vamos combinar, é muito fácil ser bonita... é só comprar a revista e seguir direitinho tudo o que ela ensina: 11 pílulas que turbinam a beleza, que acabam com celulite, espinhas, manchas e flacidez, como perder 5kg em 10 dias, como eliminar a fome e a barriga, o iogurte mágico com lactobacilos vivos, a granola e barrinhas de cereal. Depois de ler a revista senti falta de acreditar em magia. Seria tão mais simples se eu fosse ao banheiro, ficasse nua e olhasse para a minha barriga e gritasse: sai barriga, “este corpo não te pertence...” Sonho, apenas sonho e estou longe de me chamar Calderon. Decididamente... A vida não é sonho... Para a grande maioria é um pesadelo com o qual já se acostumou. Comecei a me sentir a mulher mais rica do mundo quando meu pai comprou um chuveiro ( frio ) e uma televisão... Eu era menina ( e isso não faz muito tempo). É incrível como o tempo custa a passar para pessoas alegres, simpáticas, extrovertidas, “modestas”, e queridas ( como eu), que fazem de suas tragédias pessoais uma ponte para a grande comédia do autoconhecimento)... Onde parei mesmo? Ah... Quando menina eu assistia ao programa PLANETAS DOS HOMENS, que todos conhecem, porque, insisto, não faz tanto tempo assim... Então, havia uma imagem que nunca me saiu da memória: um macaco descascando uma banana e, de dentro, saía uma linda mulher e tudo que eu mais desejava era ser a mulher que saía de dentro da casca da banana. Eu buscava em todas as revistas mecanismos que me tornassem bela como a moça que saia de dentro da casca banana. Era a nossa primeira televisão... A televisão era a maneira que aquela menina (que , insisto, sou eu... ) encontrava de sonhar com um mundo diferente onde não figurassem tantos exemplos que não queria que fizessem parte do seu universo. As coisas se confundiam na minha infeliz cabecinha: ora eu queria ser religiosa para acabar com a pobreza dos que ainda eram mais pobres do que a gente e ora eu queria ser a moça que saía de dentro da casca da banana. É preciso que se compreenda que nossas meninas menos privilegiadas economicamente, ou melhor desprivilegiadas mesmo, não têm muitas escolhas. Suas vidas, seus universos são limitados, estão muito ligados às suas trajetórias e como elas estão se constituindo. As bancas de revistas não enchem os olhos de nossa infância sacrificada com literatura de qualidade e, na falta do que é bom, a necessidade de ser igual aos que são bonitos e bem sucedidos faz com que se adquira algo desnecessário. Podemos criticar estas meninas? Criticá-las seria estar negando o meu passado. O que é possível fazer é oferecer-lhes outras possibilidades. Não sei como, nem por qual razão acabei me distanciando deste mercado de ilusões, mas de algo tenho certeza: ridicularizar quem lê, não é o melhor caminho. Como arte-educadores precisamos saber que pequenas Geises, melancias, morangos, melões são pequenas Blanches, Noiva ou Júlias a serem despertadas por mãos responsáveis, que medeiem, proponham, apresentem novos caminhos, novas possibilidades para que surja uma nova mulher, consciente de seu valor social e de sua importância, que não se deixe usar, que se faça respeitar, que receba o justo e merecido reconhecimento, na família, no mercado de trabalho, que não esteja abaixo de, nem acima de, mas ao lado de novos homens que se permitam vivenciar o prazer da igualdade.

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