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quinta-feira, 23 de junho de 2011

BLOGANDO SOBRE AS LINHAS DE ELISE

LINHAS DE AMOR SEM COLEIRAS PARA ELISE

Tendo como fonte de inspiração a peça Por Elise, com texto de Grace Passô , Mariana Lohmann, do grupo Santa Mariense Entrelinhas Cia de Teatro, adaptou e dirigiu o espetáculo As linhas de Elise que foi apresentado domingo, 19/06/20011 no Centro de Treinamento Tholl, situado na Rua Garibaldi, 630.
Pour Elise é o nome da composição de Beethoven feita , supostamente, para uma grande mulher, uma amiga, porém, a tradução tanto no português como no francês , é delicada, forte, suave e é exatamente esta suavidade que aparece na relação de uma menina mulher com o seu cão, não menos suave o contato desta com o lixeiro. Assim se constitui o espetáculo que fala constantemente de amor, de amizade (que não se restringe somente aos humanos). Como falar de amor e de amizade, de galinhas e de cães sem sermos suaves e delicados?
Pautando-se nas vertentes de um teatro físico, a trupe traz à cena muita mobilidade, representando a rapidez, a pressa do mundo contemporâneo que acaba inviabilizando as relações humanas, tornando-as ameaçadoras, pouco dignas de confiança colocando os seres humanos como eternos andarilhos, sempre de malas prontas para sair da vida das pessoas.
Elise conta as histórias de seus vizinhos ( uma mulher, um homem, um operário, um cão doente, prestes a ser recolhido por alguém que ganha a vida com a morte dos cachorros) porque não consegue contar a sua própria história, está encoleirada, tem medo de se envolver, se acha uma fortaleza, uma muralha e, por fim, acaba se desarmando.

O figurino remete ao pitoresco, investe no xadrez para bem poder fazer referências aos piqueniques e às imagens da infância. As projeções de um trem, de casas, de ruas movimentadas com lixeiros fazendo o seu trabalho nos mostram a fragilidade da vida moderna, com tão pouco espaço, para que as pessoas se conheçam e, por fim, uma borboleta saindo do casulo, a transformação, fato importante nas nossas vidas.
Valendo-se de metáforas, o texto aborda questões que são inerentes à maioria dos seres humanos, como por exemplo verdades que Elise, a contadora de história , nos revela: não adianta dizer que a gente não sente... a gente sente tudo. nós nos envolvemos, mesmo quando não queremos nos envolver, fato que fez com que eu, enquanto expectadora, me reportasse ao ano de 2004, quando adotei uma cadelinha a fim de esquecer um grande amor. Irritada com o fato de o bichinho espalhar pêlos por toda a casa, deixei-a na casa de minha mãe. Adoeci, tive febre, depressão, sentia falta daquele bicho peludo pulando pela casa e sempre nos meus pés me fazendo tropeçar. Meu grande amor nunca havia pulado em cima de mim, não havia rasgado minha meia nova, também não havia destruído um travesseiro para chamar a minha atenção, tampouco havia roubado o meu lanche e ironicamente, quando estava triste... ele nunca havia lambido as minhas lágrimas. A casa ficou tão grande, tão limpa, tão organizada, tão silenciosa e... tão vazia. Quando fui buscá-la , a cachorrinha, no mesmo momento em que cheguei, simplesmente deixou de obedecer minha mãe, mesmo diante de prêmios como salsichas e linguiça. Só atendia aos meus comandos. Magoada, mamãe alegou que era uma cadela ingrata e cínica. Eu aprendi a amar os cães. Minha mãe aprendeu a amar os cães. Meu sobrinho surpreendeu a família adotando uma simpática srd. Muitas vidas se transformaram só porque eu fui dispensada por um humano.
Histórias pessoais a parte, a encenação permite a leitura de que não somos superiores aos supostos irracionais como, pretensiosamente, cremos ser. Semelhante a um dos personagens, colocamos armaduras para enfrentar os animais e não nos resguardamos de humanos que têm permissão de sair às ruas livremente, sem focinheira. Nunca conhecemos verdadeiramente um humano, mas quando somos capazes de abrir mão de um tesouro não tão valioso como uma meia nova, aí então estamos nos permitindo conhecer a verdadeira amizade e, quem sabe, compartilhá-la com outros humanos.

Os poucos detalhes desnecessários da encenação, como o fato de trazer alguns exercícios mecânicos e sem propósito à cena (talvez resquícios da academia) , ou o uso desnecessário e desrespeitoso das galinhas, não tiraram a beleza e a sutileza do prazer de falar de amor e amizade com que nos brindou o espetáculo Linhas para Elise, que bem poderia ser Linhas sem coleiras, nem amarras para Elise.
Assim então poderemos nos sentir fortes como um cavalo novo, com fogo nas patas, correndo em direção ao mar ... e é assim que ficamos quando temos por amigos seres peludos de quatro patas, com focinhos gelados e umedecidos.

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