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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

BLOGANDO SOBRE A DISTÂNCIA

DONA CIDALHA


Quando menina, se adoecia, a mãe sempre levava a gente na dona Cidalha. Ela benzia tudo: quebranto, sol na cabeça, encalho, cobreiro, sono invertido, espinhela caída, dor de dente e o que mais aparecesse. A benzedeira morava perto da gente, era um chalé cheio de frestas e de chão batido, com cheiro de sebo, picumã, de losna, catinga de mulata, arnica e alecrim. Tinha um fogareiro, imagens de todos os tipos de santos, uma cama e debaixo dela se enxergava um penico transbordando. Lembro da cortina feita de correntinhas de sacos de leite. Eu era especialista em fazer cortinas de correntinhas de sacos de leite. No fundo da casa da Dona Cidalha morava a dona Selvina, filha dela, que tinha um filho chamado Paulinho.

Um dia a mãe sonhou que a casa da dona Selvina tinha pegado fogo, nos contava o sonho na hora do café. Café era para meus cinco irmãos porque eu, por ser a mais nova, ganhava leite em um copinho cor de rosa e que tinha um canudinho. Enquanto terminava de contar o sonho, o Cotonho chegou todo esbaforido e anunciou que a casa da dona Selvina estava incendiando. E eu mamava, depois do copinho de leite, na teta da mãe... queria ter os poderes dela. A pobre morria de vergonha quando eu, despudorada, pedia a teta, sem me importar com quem estivesse por perto. Fizeram de tudo para que eu abandonasse o hábito: pimenta, bosta de galinha, mas nada adiantava. Com a boca ardendo eu corria para a casa da dona Cidalha e pedia para ela me benzer de “boca ardida” e ela, pacienciosa, fazia o benzido. Sentada no banquinho, observava a dona Cidalha dar de mamar para o neto e eu fazia aquela cara de “ será que sobra um pouquinho pra mim? A mãe não quer me dar...” A boa criatura me pegava no colo e deixava eu, esganada, infantil e glutona, sorver, aquilo que por direito, era do Paulinho. Quando a família descobriu o meu plano sórdido e maquiavélico, lançaram o último recurso... disseram que se eu continuasse a mamar na dona Cidalha ia “pegar preto”, ficar bem escura como o Paulinho, a Dona Selvina e a Dona Cidalha.... danaram-se... eu não tinha medo de “pegar preto” e, mesmo que tivesse... a fome era maior que a ideia de” pegar preto”. A própria dona Cidalha juntou-se aos tantos que não queriam que eu continuasse com meu inocente vício, ela mesma dizia: “minina tu vai ficá preta qui nem a noiti.” E eu respondia: “daí eu moro aqui, né? E visito lá, né?”

Com seis anos eu conheci o Birinha e corri para a casa da dona Cidalha para ela me benzer para parar de mamar e ela sorriu aquele sorriso generoso e desdentado e praticou a sua arte, a arte da boa benzedura e eu deixei de mamar e escrevi uma linda cartinha para o Birinha dizendo que era uma menina bem adulta, que ajudava minha mãe, e era educada. Ele me convidou para conhecer a coleção de gibis dele na hora do recreio, embaixo da escada. E a gente brincava no recreio e eu era a mulher mais feliz do mundo. Todos os dias eu levava alguma coisa para a dona Cidalha.

Hoje, tudo o que eu mais queria era encontrar a dona Cidalha e pedir um benzido que me tornasse invisível às pessoas crueis, um benzido que me afastasse dos falsos amigos, um benzido que me tornasse uma educadora corajosa e ética o suficiente para me posicionar com justiça, um benzido que arrancasse a menininha sensível que existe dentro de mim, um benzido que me ensinasse a calar, a ter sangue frio, até a hora adequada de me pronunciar, ou quem sabe, um benzido que me fizesse voltar a crer em algo superior, ou mesmo no ser humano, para que seja possível continuar neste mundo. Inútil... nem rastro da Dona Cidalha, nem da casa dela. Daquele tempo só me restou uma dúvida. Minha mãe teria mesmo sonhado com o incêndio, ou, por levantar mais cedo já era sabedora do fato e esta pequena mentira foi apenas uma maneira de se sentir importante naquela vida com a qual ela nunca sonhou?

4 comentários:

Vulcka disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vulcka disse...

Gostoso de ler *-*

diva disse...

olá linda miga dagma
adorei as memórias da puta pobre
ela é da zona norte da cidade
bjusssssss

diva disse...

vim aqui só pra dizer
q dagma é uma das melhores atrizes q ja conheci e tambem ótima contadore de história
nossa é um talento em pessoa
bjão